Educação sem povo
Enquanto a discussão pública de nossa educação não envolver toda sociedade vai continuar falhando
No artigo da revista VEJA, abordo uma questão que me parece crucial para a falência do nosso sistema de ensino: o seu abandono pela sociedade e a cooptação pelas corporações (sindicatos, mormente) dos profissionais do ensino. Chegamos ao ponto em que, a se julgar pela discussão pública da educação, esta pertence aos professores, e não à sociedade, e deve satisfazer os anseios dos profissionais que nela trabalham, ao invés das vontades dos alunos e suas famílias. A idéia - errônea - de que aquilo que é bom para os professores é bom para os alunos foi incorporada de tal maneira que parece herético dizer o óbvio: por mais bem-intencionado que seja qualquer professor e funcionário, há coisas que são boas para eles e ruins (ou insignificantes) para os alunos, e vice-versa. Fazer dever de casa, por exemplo: a literatura empírica é praticamente unânime ao apontar o efeito benéfico de o aluno trabalhar em casa, mas prescrever e corrigir dever de casa é algo que sobrecarrega o professor, que já se sente acuado pela falta de tempo. Esse tipo de situação conflitiva é absolutamente normal. O anormal é a barreira que foi criada para escondê-la: há uma associação tão forte no imaginário popular entre as necessidades dos professores e aquelas do sistema de ensino que apontar os professores e alunos como entes separados, com interesses freqüentemente diversos e ocasionalmente antagônicos, virou ofensa contra professores e funcionários.
"Por mais bem-intencionado que seja qualquer professor e funcionário, há coisas que são boas para eles e ruins (ou insignificantes) para os alunos, e vice-versa"
A corporação se encastelou de tal maneira como "dona" da educação que acabou se arvorando como árbitra das políticas do setor, ao invés de executora. Especialmente na educação pública - ainda que toda a educação brasileira seja no mínimo semipública, por conta dos descontos de imposto de renda, mas isso é tema para outro artigo - isso é preocupante. Se você dissesse que um fiscal da Anvisa pode decidir quais medicamentos podem ser aprovados para consumo e quais aqueles que ele acha que devem ser reprovados, soaria absurdo. Se você sugerisse que um diretor de Detran pode decidir com que idade uma pessoa pode começar a dirigir, ou que pudesse decidir quem deve receber a habilitação para dirigir baseado no que ele acha das habilidades da pessoa, soaria ridículo. Mas se você dissesse que, assim como estes profissionais, os professores de escolas públicos são funcionários públicos, empregados com dinheiro público para cumprir as funções prescritas por seus líderes democraticamente eleitos, também soaria absurdo.
"Como pode comparar um professor a um funcionário da vigilância sanitária ou a um burocrata da área de trânsito?!", já começo a ouvir o rufar da indignação. A comparação não diz respeito à importância social de cada um ou suas qualificações acadêmicas: falamos apenas acerca da necessária subordinação de um funcionário público aos desígnios dos poderes constituídos. Na área educacional, parece ser aceitável que um professor decida quem vai e quem não vai aprender e que devote esforços proporcionais a essa crença, que decida quem vai ou não repetir de ano usando critérios subjetivos como esforço etc., que falte ao serviço com freqüência enorme e se sinta eximido dessas ausências por conta do estresse da profissão.
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